sábado, 30 de junho de 2007

ponto

Como numa caminhada rumo à uma avenida em que, logo a frente, vê-se o cruzamento que interrompe a rua principal, existe aquele momento específico em que avistamos o fim. Mesmo que não se tenha chegado ao ponto final de fato, é possível avistar, com temor e borboletas no peito, um dia tudo vai terminar. O final ou o cruzamento principal não aparecem de repente. Na verdade, eles vêm surgindo como a pontinha de um iceberg e trazem para cada vez mais perto os avisos prévios, os indícios, os sinais, as pistas, as intuições, mas não, não quero ver, não, prefiro fechar os olhos para enxergar claramente e enganar meu coração de que não, não, não. Prefiro acreditar que é interminável. Eterno. In finito. Forever. Não teria sido assim no instante do In ício?
Parece proibido pensar no fim quando se começa uma coisa importante e deliciosa. E é melhor que seja dessa forma, senão talvez não seja possível começar com tanta entrega. Para o mergulho, melhor assim, pensar que sempre se estará começando.
Porém, pouco a pouco, como uma vela que se apaga, como um silêncio saciado das manhãs de domingo, a pontinha do iceberg aparece. Branca. Gelada. Cruel.
Feche os olhos, mude o trajeto, pare no meio da avenida como se assim pudesse também parar os ponteiros corredores dos relógios. Por que é mesmo que as coisas boas terminam? Seríamos fracos demais para impedir tal acontecimento? Ou teríamos simplesmente desistido de tentar?
Silêncio de novo, preciso voltar a caminhar, não adianta mais mudar o trajeto, todos os caminhos dão no mesmo lugar, "todos os caminhos, nenhum caminho, muitos caminhos, nenhum caminho. Nenhum caminho", o fim é o mesmo. Ele se aproxima. E talvez seja necessário. E talvez também não importe se foi desistência ou fraqueza.
Por mais que doa lá no fundo, é preciso saber que, uma vez seguida a caminhada pela avenida, retornar ao início não é mais possível. Vamos nos aproximando, caminho rumo à desordem, ali está o cruzamento: branco, gelado, cruel, presente. Feche os olhos pra enxergar claramente: a vida começa no ponto final.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

no instante do sorriso pleno

"Comece por quebrar os espelhos de sua casa, deixe cair os braços, olhe vagamente a parede, esqueça. Cante uma nota só, escute por dentro. Se ouvir ( mas isto acontecerá muito tempo depois ) algo como uma paisagem afundada no medo, com fogueiras entre as pedras, com silhuetas seminuas de cócoras, acho que estará bem encaminhado, e do mesmo modo de se ouvir um rio por onde descem barcos pintados de amarelo e preto, se ouvir um gosto de pão, um tato de dedos, uma sombra de cavalo.


Depois compre cadernos de solfejo e uma casaca e por favor não cante pelo nariz e deixe Schumann em paz."


Julio Cortázar, Histórias de Cronópios e Famas





sábado, 23 de junho de 2007

caia em caio

"Tarde demais, nunca esquecia. E respirava lento, medido, economizando sua quota kármica de prana ao estufar estômago-costelas-pulmões, nessa ordem. Devocional, búdico. Pois se ficara mesmo tarde demais para todas as coisas dos Viventes Inconscientes, como passara a chamar às Pessoas do Outro Lado- apenas para si mesmo, não queria parecer arrogante-, pois se ficara mesmo assim tragicamente tarde, acendia um cigarro culpado e, fodam-se, com toda a arrogância constatava: se era tarde demais, poderia também ser cedo demais, você não acha? perguntava sem fôlego para ninguém."

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“Veio num sonho, certa noite. Ela o amava. Ele a amava também. E ainda que essa coisa, o amor, fosse complicada demais para compreender e detalhar nas maneiras tortuosas como acontece, naquele momento em que acontecia dentro do sonho, era simples. Boa, fácil, assim era. Ela gostava de estar com ele, ele gostava de estar com ela. Isso era tudo.”
Caio Fernando Abreu.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

e que bom se admirar


esperava de você apenas uma avenca.

ainda bem, foste mais que uma roseira.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

ele vem chegando...

oinc

no mar do coração

já disseram assim: "ponha uma margarida na sua fossa" e isso soa um pouco levemente mórbido. no entanto, também já disseram que a mar-garida é diferente por ter uma pétala cravada no centro, como um coração. e isso é assim uma visão já bem mais bonita, de se afogar num mar- de flores que têm coração. e a vida vai à deriva dessa condução tão amarela que talvez signifique mesmo a forma de todo mundo viver tão apressado e ocupado. mas se é com o coração, tudo bem. tudo tudo bem. tudo verde. e que bom pensar que no futuro a gente não amadurece e sim, na verdade, se esverdeia. vem verde assim, de leve, de vagar, de cor. vou verde assim, furtar-te. amarela-me.

"tem coisa que é doce mas espanca"

"desculpa, digo, mas se eu não tocar você agora vou perder toda a naturalidade, não conseguirei dizer mais nada, não tenho culpa, estou apenas sentindo sem controle, não me entenda mal, não me entenda bem, é só esta vontade quase simples de estender o braço para tocar você, faz tempo demais que estamos aqui parados conversando nesta janela, já dissemos tudo que pode ser dito entre duas pessoas que estão tentando se conhecer, tenho a sensação impressão ilusão de que nos compreendemos, agora só preciso estender o braço e, com a ponta dos meus dedos, tocar você, natural que seja assim: o toque, depois da compreensão que conseguimos, e agora. (...)
Pensei em você. Eram exatamente três da tarde quando pensei em você. Sei porque sacudi a cabeça como se você fosse um tontura dentro dela e olhei o digital no meio da avenida.
(...)
Corre, corre. O número do telefone dissolvendo-se em tinta na palma da mão suada. Ah, no fim destes dias crispados de início de primavera, entre os engarrafamentos de trânsito, as pessoas enlouquecidas e a paranóia à solta pela cidade, no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelos na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços, você cobre com a boca meus ouvidos entupidos de buzinas, versos interrompidos, escapamentos abertos, tilintar de telefones, máquinas de escrever, ruídos telefônicos, britadeiras de concreto, e você me beija e você me aperta e você me leva para Creta, Mikonos, Rodes, Patmos, Delos, e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem. O telefone toca três vezes. Isto é uma gravação deixe seu nome e telefone depois do bip que eu ligo assim que puder, ok?
(...)
Fala fala fala. Estou muito cansado. Já não identifico nenhuma palavra no que diz. Apenas me deixo embalar pelo ritmo de sua voz, dentro dessa melodia monótona angustiada perplexa repetitiva. Quase três da manhã. Não temos aonde ir, nunca tivemos aonde ir. Um nojo, vezenquando me dá um asco - nojo é culpa, nojo é moral - você se sente sórdido, baby? - eu tenho medo, não quero correr riscos - mas agora só existe um jeito e esse jeito é correr o risco - não é mais possível - vamos parar por aqui - quero acordar cedo, fazer cooper no parque, parar de beber, parar de fumar, parar de sentir - estou muito cansado - não faz assim, não diz assim - é muito pouco - não vai dar certo - anormal, eu tenho medo - medo é culpa, medo é moral - não vê que é isso que eles querem que você sinta? - medo, culpa, vergonha - eu aceito, eu me contento com pouco - eu não aceito nada nem me contento com pouco - eu quero muito, eu quero mais, eu quero tudo.
Eu quero o risco, não digo. (...)"
C.F. Anotações sobre um amor urbano

coisas que curam todos os males:

- cheiro de baunilha

- cortar o cabelo

- apostar consigo mesmo

- massagens nos pés

- ir pro rio de janeiro

- bater papo debaixo do sol

- sambar ( se que canta os males espanta, quem dança nem sabe dos males )


quinta-feira, 14 de junho de 2007

se algum dia precisar da minha vida, tome-a


"Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono ou por desprezo.. Esta que eu ando nela agora é por abandono..." "... Eu sinto mesmo hoje que a estrada é carente de pessoas e de bichos. Emas passavam sempre por ela esvoaçantes. Bandos de aititus a atravessavam para ver o rio do outro lado. Eu estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem esquecida. Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós. Mas eu ensino para ela como se deve comportar na solidão. Eu falo: deixe deixe meu amor, tudo vai acabar. Numa boa: a gente vai desaparecendo igual quando Carlitos vai desaparecendo num fim de uma estrada...Deixe, deixe, meu amor."

Manoel de Barros em Memórias Inventadas

quarta-feira, 13 de junho de 2007

procura-se o ócio

foi no café da manhã o comentário materno: "você corre demais. na sua idade eu gozava mais da vida". engraçado. triste e engraçado. quando foi mesmo que todos nós nos tornamos coelhos da alice? não sei bem. teria o relógio começado a girar mais rápido do que de costume?
sem saber bem em que momento exato atravessei o espelho, virei coelho. e corro. e corro. e corro. coisas demais, pouco tempo demais. sobra pouco tempo pra pensar na vida. pra sentir o cheiro das coisas. pra olhar nos olhos de quem me conta alguma coisa surpreendente ( por falar nisso, há quanto tempo não escuto alguém me contar alguma coisa surpreendente? ). teríamos deixado de ser surpreendentes? teríamos deixado de ser gente?
o problema de se amar o que faz é achar que o trabalho pode ser sempre o seu momento de diversão. pode. mas ainda assim é trabalho. por essas e outras, a campanha do ócio. a campanha pelo nada. pelo olhar pro tempo. pelo passar o tempo. pelo fechar os olhos e sentir cheiros. e só. tudo bem que não dá pra fazer isso sempre, mas sim, a campanha pelo gozar da vida ( pelo menos nos domingos, em algumas noites...). manoeludo já disse uma vez: "se o nada acabar, a poesia acaba". chega de buscar um avalanche de coisas.
no momento, estou na busca pelo vazio.

têm coisas que começam quando terminam



e para isso nada mais do que a cabeça erguida e o coração aberto