quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

como uma linha

se eu te esperasse há apenas 365 dias seria mais fácil mentir. as palavras não sufocariam o peito, os cabelos, a ponta das unhas, o meu silêncio. se eu te esperasse há apenas quatro estações, há alguns dias de sol, outros de chuva, se eu te esperasse com toda a calma de uma mãe que espera um filho, como quem aguarda o inadiável, se eu te esperasse sem retorcer as linhas vermelhas de toda penélope que espera seu ulisses aí, sim, eu chegaria na verdadeira raiz desse ecossistema, na simplicidade, na paz de espírito que jamais habitou meu coração ansioso, meu coração terrivelmente ariano. talvez se eu conseguisse ouvir o teor da espera e compreendesse diferente, talvez se eu não te esperasse desde os tempos imemoriais, desde a linha evolutiva dessa família que desde sempre espera, que desde sempre parte, que desde sempre abandona e retorna, se eu não te esperasse há tantos séculos, há tantas lágrimas, há tantos desejos, há tantas vozes, talvez eu eu tivesse mais calma, talvez um pouco mais de serenidade. mas é preciso que se saiba que te espero há mais tempo que um corpo pode sentir. te espero como quem carrega um continente inteiro, como quem habita um deserto e tem os lábios secos, os olhos duros, os sonhos que navegam em alto mar. te espero na vertigem mais profunda do poema, na lembrança de um vazio, na saudade de um lugar inabitável. te espero no nada, e do nada essa espera me refaz. te espero como a maré.